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Sobre a primavera e outras costuras


"Se Deus quiser um dia eu viro semente
 e quando a chuva molhar o jardim, Ah,
 eu fico contente... E na primavera 
vou brotar na terra!"

na voz de Rita Lee


 Em meu 21° aniversário, lançarei mão de uma breve fábula de Monteiro Lobato para falar da simplicidade da existência. 
 Em um dos capítulos de Reinações de Narizinho (1931), somos apresentados à Costureira das Fadas, uma aranha oriunda da Cidade Luz que costurava vestidos belíssimos! Na história, Dona Aranha é requisitada pelo Príncipe Escamado para coser o mais bonito vestido do mundo. Depois de pronto, ele seria usado por Narizinho numa ocasião muito especial no Reino das Águas Claras, a apresentação da menina aos convidados da realeza. 
 Enquanto tecia, D. Aranha ia contando sua história à serelepe menina do nariz arrebitado. Sua idade era de mil anos e ao longo de todo esse tempo, ela já havia aprendido a fazer de tudo! Trabalhou para o reino das fadas, vestiu Cinderela, Branca de Neve e muitas outras princesas... Foi inclusive no noivado de Branca, que D. Aranha ficara aleijada de uma de suas pernas: "A tesoura caiu-me sobre o pé esquerdo, rachando o osso aqui neste lugar. Fui tratada pelo doutor Caramujo, que é um médico muito bom. Sarei, embora ficasse manca pelo resto da vida". 
 Quando o vestido ficou pronto, Narizinho se radiou. Era sim uma verdadeira maravilha. Dona Aranha se pôs a ornar a menina, deixando-a cada vez mais bonita. O espelho, desacostumado, foi então arregalando os olhos, espantado, e de tanta surpresa: "craque!... rachou de alto a baixo em seis fragmentos".
 Naquele momento, mal sabia a netinha de D. Benta que havia libertado a Costureira de uma longa maldição: "Quando nasci, uma fada  rabugenta, que detestava minha pobre mãe, virou-me aranha, condenando-me a viver de costuras a vida inteira. No mesmo instante, porém, uma fada boa surgiu, e me deu esse espelho com estas palavras: 'No dia em que fizeres o vestido mais lindo do mundo, deixarás de ser aranha e serás o que quiseres'."
 Agora reparem bem, caros leitores: ser o que quiser é deparar com o limite de ser.
 Dona Aranha, ao ser questionada por Narizinho sobre o que haveria de tornar-se então, não soube responder de cara. Haveria de perguntar ao Príncipe primeiro! Da liberdade de ser nasce também a imediata necessidade de reconhecer-se pelo delicado olhar do outro. Se é às vistas de um alguém que o eleva, assim, a categoria de existente ou resistente: próprio à vida.  
 Da angústia de ser o que se deseja no desejo do outro, D. Aranha chega a uma conclusão: "Acho melhor ficar no que sou. Assim, manca duma perna, se viro princesa ficarei sendo a Princesa Manca; se viro sereia, ficarei sendo a Sereia Manca  e todos caçoarão de mim. Além do mais, como já sou aranha há mil anos, estou acostumadíssima." 
 Pouco importava o que haveria de ser após o feitiço quebrado, a Costureira das Fadas carregava consigo um signo irremediável: a falta ou o nação de limite. Fora-lhe cortada uma perna, fora banida do Limbo. 
 Seguir sendo ar nha não era de todo mal e, além do mais, ela bem sabia que o barato da sua vida era saber costurar!

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